Arquivo da categoria: Sociologia

Matérias, entrevistas, dicas de livros do universo das ciências sociais.

Primeiro levaram os negros

Primeiro levaram os negros

Bertolt Brecht (1898-1956)

Primeiro levaram os negros

Mas não me importei com isso

Eu não era negro

Em seguida levaram alguns operários

Mas não me importei com isso

Eu também não era operário

Depois prenderam os miseráveis

Mas não me importei com isso

Porque eu não sou miserável

Depois agarraram uns desempregados

Mas como tenho meu emprego

Também não me importei

Agora estão me levando

Mas já é tarde.

Como eu não me importei com ninguém

Ninguém se importa comigo

Bertolt Brecht (1898-1956)

Aspectos jurídicos da responsabilidade sobre divulgação de informações na internet durante campanha eleitoral no Brasil

RESUMO

O tema da presente monografia é a análise do tratamento jurisdicional Brasileiro dado às responsabilidades jurídicas decorrentes da manipulação de informações no processo eleitoral brasileiro, no contexto da internet. O método de pesquisa utilizado foi o da pesquisa exploratória na legislação, doutrinas afins e justaposição aos acontecimentos, veiculados na imprensa, ocorridos nas eleições de 2024 para a prefeitura do município de São Paulo, Brasil. Partindo-se de tais parâmetros, verificou-se que o Direito Brasileiro possui as normativas necessárias para responsabilizar e punir os responsáveis por manipulações, mas que sua aplicação é falha, implicando na atual impunidade e sucesso daqueles que optaram por utilizar a manipulação maldosa como ferramenta de promoção no contexto eleitoral.

Palavras-chave: Responsabilidade Jurídica. Processo Eleitoral. Brasil. Manipulação. Fake News.

Abstract

Digital democracy: legal aspects of responsibility for the dissemination of information on the internet during the electoral campaign in Brazil

The theme of this monograph is the analysis of the Brazilian judicial treatment given to legal responsibilities arising from the manipulation of information in the Brazilian electoral process, in the context of the internet. The research method used was exploratory research into legislation, related doctrines and juxtaposition to events, published in the press, that occurred in the 2024 elections for mayor of the city of São Paulo, Brazil. Based on these parameters, it was verified that Brazilian Law has the necessary regulations to hold responsible and punish those responsible for manipulations, but that its application is flawed, resulting in the current impunity and success of those who chose to use malicious manipulation as a tool. promotion in the electoral context.

Keywords: Legal Liability. Electoral Process. Brazil. Manipulation. Fake News.

 

Artigo científico em PDF: Artigo Cientifico – FAM _wellington_2024_R

O bêbado e o equilibrista

O bêbado e a equilibrista

Letra: João Bosco Vocais: Elis Regina, 1979

Caía a tarde feito um viaduto
E um bêbado trajando luto
Me lembrou Carlitos
A lua tal qual a dona do bordel
Pedia a cada estrela fria
Um brilho de aluguel

E nuvens lá no mata-borrão do céu
Chupavam manchas torturadas
Que sufoco
Louco
O bêbado com chapéu-coco
Fazia irreverências mil
Pra noite do Brasil
Meu Brasil

Que sonha com a volta do irmão do Henfil
Com tanta gente que partiu
Num rabo de foguete
Chora
A nossa pátria mãe gentil
Choram Marias e Clarices
No solo do Brasil

Mas sei que uma dor assim pungente
Não há de ser inutilmente
A esperança
Dança na corda bamba de sombrinha
E em cada passo dessa linha
Pode se machucar

Azar
A esperança equilibrista
Sabe que o show de todo artista
Tem que continuar, mas caía

Caía a tarde feito um viaduto
E um bêbado trajando luto
Me…

 

Letra: João Bosco Vocais: Elis Regina, 1979

Carta de touro sentado

O texto abaixo é atribuído ao Chefe Indígena Americano Tȟatȟáŋka Íyotake, o conhecido “Touro Sentado”. Quer tenha sido escrito pelo famoso chefe, ou não, o texto é atual desde antes de sua criação, pois o processo de degradação do meio ambiente do planeta terra é imemorial. Mais informações sobre o líder da resistência indígena (dadas por quem venceu a invasão, é claro) podem ser vistas na wikipedia americana, em https://en.wikipedia.org/wiki/Sitting_Bull

“O grande chefe de Washington mandou dizer que quer comprar a nossa terra.

O grande chefe assegurou-nos também da sua amizade e benevolência. Isto é gentil de sua parte, pois sabemos que ele não necessita da nossa amizade. Nós vamos pensar na sua oferta, pois sabemos que se não o fizermos, o homem branco virá com armas e tomará a nossa terra. O grande chefe de Washington pode acreditar no que o chefe Seattle diz com a mesma certeza com que nossos irmãos brancos podem confiar na mudança das estações do ano. Minha palavra é como as estrelas, elas não empalidecem.

Como pode-se comprar ou vender o céu, o calor da terra?

Tal idéia é estranha. Nós não somos donos da pureza do ar ou do brilho da água. Como pode então comprá-los de nós? Decidimos apenas sobre as coisas do nosso tempo. Toda esta terra é sagrada para o meu povo. Cada folha reluzente, todas as praias de areia, cada véu de neblina nas florestas escuras, cada clareira e todos os insetos a zumbir são sagrados nas tradições e na crença do meu povo.
Sabemos que o homem branco não compreende o nosso modo de viver. Para ele um torrão de terra é igual ao outro. Porque ele é um estranho, que vem de noite e rouba da terra tudo quanto necessita. A terra não é sua irmã, nem sua amiga, e depois de exaurí-la ele vai embora. Deixa para trás o túmulo de seu pai sem remorsos. Rouba a terra de seus filhos, nada respeita. Esquece os antepassados e os direitos dos filhos. Sua ganância empobrece a terra e deixa atrás de si os desertos. Suas cidades são um tormento para os olhos do homem vermelho, mas talvez seja assim por ser o homem vermelho um selvagem que nada compreende.

Não se pode encontrar paz nas cidades do homem branco. Nem lugar onde se possa ouvir o desabrochar da folhagem na primavera ou o zunir das asas dos insetos. Talvez por ser um selvagem que nada entende, o barulho das cidades é terrível para os meus ouvidos. E que espécie de vida é aquela em que o homem não pode ouvir a voz do corvo noturno ou a conversa dos sapos no brejo à noite? Um índio prefere o suave sussurro do vento sobre o espelho d’água e o próprio cheiro do vento, purificado pela chuva do meio-dia e com aroma de pinho. O ar é precioso para o homem vermelho, porque todos os seres vivos respiram o mesmo ar, animais, árvores, homens. Não parece que o homem branco se importe com o ar que respira. Como um moribundo, ele é insensível ao mau cheiro.

Se eu me decidir a aceitar, imporei uma condição: o homem branco deve tratar os animais como se fossem seus irmãos. Sou um selvagem e não compreendo que possa ser de outra forma. Vi milhares de bisões apodrecendo nas pradarias abandonados pelo homem branco que os abatia a tiros disparados do trem. Sou um selvagem e não compreendo como um fumegante cavalo de ferro possa ser mais valioso que um bisão, que nós, peles vermelhas matamos apenas para sustentar a nossa própria vida. O que é o homem sem os animais? Se todos os animais acabassem os homens morreriam de solidão espiritual, porque tudo quanto acontece aos animais pode também afetar os homens. Tudo quanto fere a terra, fere também os filhos da terra.

Os nossos filhos viram os pais humilhados na derrota. Os nossos guerreiros sucumbem sob o peso da vergonha. E depois da derrota passam o tempo em ócio e envenenam seu corpo com alimentos adocicados e bebidas ardentes. Não tem grande importância onde passaremos os nossos últimos dias. Eles não são muitos. Mais algumas horas ou até mesmo alguns invernos e nenhum dos filhos das grandes tribos que viveram nestas terras ou que tem vagueado em pequenos bandos pelos bosques, sobrará para chorar, sobre os túmulos, um povo que um dia foi tão poderoso e cheio de confiança como o nosso.

De uma coisa sabemos, que o homem branco talvez venha a um dia descobrir: o nosso Deus é o mesmo Deus. Julga, talvez, que pode ser dono Dele da mesma maneira como deseja possuir a nossa terra. Mas não pode. Ele é Deus de todos. E quer bem da mesma maneira ao homem vermelho como ao branco. A terra é amada por Ele. Causar dano à terra é demonstrar desprezo pelo Criador. O homem branco também vai desaparecer, talvez mais depressa do que as outras raças. Continua sujando a sua própria cama e há de morrer, uma noite, sufocado nos seus próprios dejetos. Depois de abatido o último bisão e domados todos os cavalos selvagens, quando as matas misteriosas federem à gente, quando as colinas escarpadas se encherem de fios que falam, onde ficarão então os sertões? Terão acabado. E as águias? Terão ido embora. Restará dar adeus à andorinha da torre e à caça; o fim da vida e o começo pela luta pela sobrevivência.

Talvez compreendêssemos com que sonha o homem branco se soubéssemos quais as esperanças transmite a seus filhos nas longas noites de inverno, quais visões do futuro oferecem para que possam ser formados os desejos do dia de amanhã. Mas nós somos selvagens. Os sonhos do homem branco são ocultos para nós. E por serem ocultos temos que escolher o nosso próprio caminho. Se consentirmos na venda é para garantir as reservas que nos prometeste. Lá talvez possamos viver os nossos últimos dias como desejamos. Depois que o último homem vermelho tiver partido e a sua lembrança não passar da sombra de uma nuvem a pairar acima das pradarias, a alma do meu povo continuará a viver nestas florestas e praias, porque nós as amamos como um recém-nascido ama o bater do coração de sua mãe. Se te vendermos a nossa terra, ama-a como nós a amávamos. Protege-a como nós a protegíamos. Nunca esqueça como era a terra quando dela tomou posse. E com toda a sua força, o seu poder, e todo o seu coração, conserva-a para os seus filhos, e ama-a como Deus nos ama a todos.

Uma coisa sabemos: o nosso Deus é o mesmo Deus. Esta terra é querida por Ele.

Nem mesmo o homem branco pode evitar o nosso destino comum.”

Minha Liberdade de Pensar

Minha Liberdade de Pensar – Florent Pagny (2003)

Deixei todos os meus filhos e a TV, minha escova de dentes, meu revólver. O carro que já está pronto
Com os bloqueios do banco, leve minha esposa, o sofá. O micro-ondas, a geladeira e até minha vida privada.
Em qualquer caso, eu posso vender minha alma ao Diabo. (Com ele tudo podemos “arranjar”.)
Já que aqui tudo é negociável, mas você não terá minha liberdade de pensar.

Pegue minha cama, os discos de ouro, meu bom humor
As colheres de chá, e tudo que você achar valioso
E dos quais eu não tenho mais nada a fazer, pode levar tudo: não esqueça da merda escondida debaixo do tapete.
Tudo que é lindo e faz diferença pra mim, eu prefiro que vá para Abbé Pierre. (instituição de caridade).
Eu posso dar meu corpo para ciência, se houver alguma coisa para retirar.
E isso lhe dá uma boa ideia, mas você não terá minha liberdade de pensar.
(Minha liberdade de pensar)

Eu posso esvaziar meus bolsos na mesa.
(Eles estão há muito tempo furados)
Pode levar minhas calças, mas não terá minha liberdade de pensar.

Pegue tudo e leve para vender em seus pequenos negócios.
Eu só pego meu pijama listrado e te dou laranjas de presente.
Você pode ficar com tudo.
(Afinal) Eu não vou levar nada pro inferno.
Apesar de tudo, prefiro ir para lá se (aqui) me oferecem o paraíso.
Eu posso vender minha alma ao Diabo, com ele tudo podemos “arranjar”.
Por aqui tudo é negociável, mas você não terá minha liberdade de pensar
(Minha liberdade de pensar)

15 anos da lei Maria da Penha

15 anos de Lei Maria da Penha: vamos pensar e agir?

Faz 15 anos que a Lei Maria da Penha, Lei n. 11.340/2006, está em vigor.

Quem me chamou a atenção para tal fato foi a Mestre Regina Célia, professora em várias Faculdades de Pernambuco e co-fundadora do Instituto Maria da Penha.

Precisamos celebrar a instituição da Lei 11.340/06, é certo, pois de forma direta ou indireta a lei protegeu – e protege – mulheres em situação de perigo em virtude apenas de serem mulheres e da concepção de nossa sociedade alicerçada em conceitos pré-históricos de “homem-caçador” e “mulher-propriedade”. O pior, o mais grave, é que este perigo iminente está na maioria esmagadora das vezes dentro do próprio lar da agredida.

E agredida, entenda-se no seu mais amplo grau possível, pois a agressão emocional ou sentimental é muitas vezes tão ou mais gravosa que a agressão física: a agressão física por vezes não deixa marcas no corpo da vítima, a agressão psicológica sempre deixa marcas na mente e no espírito da vítima.

Há uma letra de música que ficou muito famosa em Portugal, da intérprete Márcia, que diz em dado momento ao seu interlocutor: “sob a pele que há em mim, tu não sabes nada“.

É fato. Ninguém – a não ser a própria ofendida – sabe a gravidade dos danos causados à sua psique, ao seu “eu-interno”, ao seu espírito. Podemos imaginar, oferecer apoio, mas a dor é unicamente sentida por quem recebeu o dano. Quiçá pudéssemos dividir entre nossos espíritos para minimizar os efeitos que recaem sobre um só espírito, mas estamos longe desse tipo de conhecimento e benção.

Infelizmente, ainda cada um carrega sozinho a própria cruz.

Precisamos – como propõe a mestre Regina Célia, fazer um balanço profundo das consequências da lei Maria da Penha: precisamos analisar dados, estratificá-los, esmiuçá-los e digeri-los. Precisamos observar os gargalhos, os filtros e as amarras que ainda permitem a agressão diária – e a muitas vezes a morte semanal – de mais e mais mulheres vitimadas por aqueles que as diziam amar. Tanto amor que se encerra na morte da pessoa iconizada – ou torturada – por uma obsessão de posse disfarçada de amor.

O que falta? Punições mais severas? Mais seriedade por parte das autoridades responsáveis? Mais responsabilidade por parte das autoridades sérias? Mais denúncias? Mais pontos de acolhimento?

Precisamos saber e, sabendo, precisamos tomar as devidas ações – políticas, administrativas, sociais – para sanear tais questões.

E precisamos ir além, caro leitor. Precisamos ir além do gênero “mulher”, principal foco das ações destrutivas, e avançar em direção aos crimes silenciosos de relacionamento, em tudo semelhantes aos praticados contra as mulheres, mas que tem por vítimas simplesmente pessoas.

Sim, pessoas, indiferente de homens ou mulheres, gays ou lésbicas, trans e cis, não importa: os crimes de relacionamento não tem a publicidade que as agressões contra o gênero feminino tem, mas são tão repugnantes quanto.

E mais, são crimes que – quando relatados – são colocados em segundo plano ou discriminados como fraqueza moral, “frescura” ou impossibilidade de sofrimento dos agredidos – moral ou fisicamente – também e simplesmente por suas características de gênero.

O padre Fábio de Melo escreveu uma obra que deveria ser de leitura obrigatória por todos aqueles que estão entrando na adolescência – qualquer seja a opção sexual – chamada “quem me roubou de mim?”

Na obra, escrita em linguagem clara, abrangente e sem nenhum pendor em tentar uma forçada evangelização como alguns poderiam, em princípio pensar, traz um retrato oriundo das observações do Clérigo sobre diversas situações de agressão moral – e na minha opinião moral e espiritual na mesma medida – da qual são vítimas pessoas, apenas “pessoas”.

Pois se pessoas são amadas, pessoas são machucadas.

E em virtude disso, pessoas são manipuladas, pessoas têm a moral e crenças subvertidas, pessoas têm a auto-estima minada e muitas vezes destruída, pessoas são vitimadas por agressores de qualquer sexo, os quais se aproveitam da proximidade amorosa encontrada para estabelecerem relações de opressão e desvalorização do outro.

Em troca de quê? Não sei. Não consigo aceitar os motivos que moveram Hitler a promover o holocausto Judeu da mesma maneira que não consigo aceitar – e sequer entender – os motivos que lema uma pessoa a oprimir outra que a ama, pelo simples ato aparente – ou prazer distorcido – de oprimir.

E, infelizmente, muitas pessoas não têm um dispositivo legal específico que as proteja.

Faz-se mister reconhecer uma maior amplitude da lei Maria da Penha através de uma melhor análise de cada caso registrado e dos resultados reais de cada investigação – se feita – sobre cada situação.

Trata-se, em última análise, do inciso IV, do artigo 3º, de nossa Constituição:

“Promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”

Estamos em plena segunda onda da maior Pandêmia da história de nossa civilização, mas mulheres continuam a ser esfaqueadas pelos maridos na frente de seus filhos, em plena luz do dia.

Muitos partirão pela nossa grande falha em fazer escolhas erradas durante as eleições, não importando se você, caro leitor, é de direita ou de esquerda: todos falhamos, pois não elegemos líderes que nos guiassem para vale das trevas.

Mas, diante de todo esse cenário apocalíptico, muitas mulheres também partirão, vítimas de violência do lar. Muitas mulheres terão seus espíritos marcados a ferro por violências morais praticadas dentro do véu de seus relacionamentos e muitas pessoas, homens, mulheres, gays e lésbicas, cis, trans, hypes, não importa a definição, também terão a vida destruída ou marcada pela nossa incapacidade de protegê-los como sociedade.

Não podemos parar de avançar na proteção dos Direitos Humanos, pondo a culpa na Pandemia.

Pelo contrário: vamos corrigir os erros que permitiram à Pandemia nos impactar com tanta destruição e vamos comemorar os 15 anos da lei Maria da Penha como uma vitória, mas vamos também olhar esses quinze anos como base de estruturas maiores de proteção social e moral, estruturas a serem erigidas que protejam seres humanos dos desvios morais e desumanos de outros seres que se dizem humanos, sob a desculpa de “amar demais”.

Tom Prates, 15/01/2021.

Desenvolvimento local sustentável (DLS)

Em nossas palavras, “Desenvolvimento Local Sustentável é a manutenção da existência humana com qualidades mínimas de vida, as quais garantam sensação de pertencimento e realização pessoal no meio social em que se atua, ao mesmo tempo em que se prepara um ambiente com melhores condições de vida para as futuras gerações”.

Manutenção da existência humana com qualidades mínimas de vida

Conforme tenho afirmado em meus escritos, considero que o meio ambiente, quer seja urbano, rural ou natural, precisa oferecer condições de vida satisfatórias para os seres viventes no presente, antes de oferecer condições ideais para as futuras gerações. Entendam, no entanto, que não defendo com essa afirmação a queima desenfreada de combustíveis fósseis para manter a civilização atual, por exemplo. Defendo que existem inúmeras necessidades locais a serem retrabalhadas de maneira que a população atual atinja patamares mínimos de qualidade de vida, para que possa pensar no mundo futuro.

É possível pedir a um ser humano que deixe de trabalhar na empresa que polui o rio onde seus filhos se banham, mas dificilmente ele optará por premiar o meio ambiente e deixar a mesa de sua casa vazia.

Por que mantemos as concentrações de populações nas grandes cidades? Porque não temos políticas reais de desenvolvimento econômico para as cidades pequenas? Porque não relembramos às pessoas que podem criar galinhas em casa para obter ovos saudáveis? Porque não as relembramos que podem plantar vegetais como chuchu, tomates e abobrinhas para aliviar a pressão salarial das despesas domésticas?

São políticas públicas óbvias, consabidas, repetidas com assente por todos que ouvem (“minha avó criava galinhas, nunca faltavam ovos”) que simplesmente são abandonadas, esquecidas.

Sensação de pertencimento e realização pessoal no meio social em que se atua

Muitos definem a Depressão, doença, como o “Mal do século XXI”. Filhos da internet, os Smartphones e as Redes Sociais são, ao meu ver, invenções fantásticas, sobre-humanas e, ao mesmo tempo, uma fonte de ansiedade e depressão inesgotável. Em que pesem suas utilidades como integradores e facilitadores de relações, a forma como foram – e são – utilizadas tornaram-se um aríete contra um senso de paz interior necessário para a grande maioria das pessoas.

Observem – na grande maioria das pessoas – a necessidade de se olhar o smartphone em intervalos de tempo cada vez menores, a fim verificar novas mensagens de whats app, novas atualizações de instagran ou novas curtidas no já caduco facebook. Essa necessidade de checagem constante causa um aumento da ansiedade, transformando um instrumento criado para “facilitar a sua vida” em um algoz torturador que exige a sua interação a cada dez minutos.

Não bastasse o mecanismo acima descrito (veja a reportagem da Revista Superinteressante: Smartphone, no novo cigarro), as redes sociais trazem todos os nossos amigos e conhecidos sempre em constante alegria, sempre curtindo a vida, sempre de bem com os relacionamentos, sempre ativos em suas atividades profissionais, enquanto que nós – observadores de tanta felicidade – temos problemas com nossos relacionamentos, chefes, comunidades e nem sempre estamos tão ativos no trabalho.

Não há, nestas situações, portanto, uma sensação real de pertencimento social que pode-se observar na rotina de grupos reais de comunidades, hoje em evidente estágio de extinção.

Vejamos, por exemplo a o trecho da Dissertação de Mestrado da Sra. Luclécia Cristina Morais da Silva, PPGA, UFPE, [www.attena.ufpe.br/handle/123456789/17490] onde ela cita a vida em uma comunidade de pescadores em Sirinhaém, no Estado de Pernambuco:

“Na atividade pesqueira existe uma intrínseca relação com o mar e/ou estuário, rio, além de um sentimento com o território que envolve valores sagrados e ampla intimidade com o espaço de trabalho/vida, onde o mar-de-dentro e o mar-de-fora se constitui como lugares aquáticos e o trabalho pesqueiro reflete o desdobramento dessa territorialidade ao conferir-lhes pertencimento (MALDONADO, 1994). Este pertencimento ao ambiente marinho-estuarino é o que tem permitido resistir à subsunção real ao capitalismo GODELIER (1981), pois, segundo MOURA (1988), apesar do processo de diferenciação social, internamente os pescadores permanecem identificáveis como tais. Para FERREIRA (1995), apesar da força do capital, não há uma simples transformação proletarizada, pois, “seu mundo não se reduz ao vinculo empregatício, mas procuram e constroem espaços de adaptações entre as suas perspectivas e projetos e o mercado”, ou seja, “sua reprodução não se explica apenas pela subordinação ao capital, mas pela própria capacidade de resistência e adaptação” (WANDERLEY, 2011).” in SILVA, Luclécia Cristina Morais da. Pesca artesanal no Litoral Sul de PE : dinâmicas identitárias e territoriais. Dissertação de Mestrado, UFPE. 2014.)

No trabalho citado (recomendo a leitura) explana-se que os pescadores atuam de acordo com as maré, de acordo com o vento, de acordo com o tempo. Nos tempos que antecedem as idas ao mar, os pescadores conversam muito, enquanto prepararam as redes e os barcos. Quando não há o que preparar e há necessidade de esperar o momento ideal de partida, simplesmente conversam.

Ora, neste contato REAL não há somente sorrisos, pois expostos que estão à mesma realidade e aos mesmos esforços, compartilham dos mesmos medos, anseios e sucessos, o que dá a essas comunidades um sensação real de pertencimento que, como já disse, extingue-se nas sociedades humanas urbanas atuais.

Preparar um ambiente com melhores condições de vida para as futuras gerações

Uma existência que não conhece a fome, que pode de deslocar com bicicletas até o seu local de trabalho, que pode complementar suas necessidades de alimento com pequenas produções próprias, que tenha segurança social, é uma existência com qualidades mínimas de vida.

Uma existência que se sinta pertencente a um grupo, que dentro desse grupo perceba que seus problemas e sucessos fazem parte do roteiro da vida de todos, que tenha consciência de que o seu trabalho significa mais uma parte somada a fazer diferença na realização da sociedade, é uma existência repleta de sentido.

Sanadas as condições básicas, essa existência passa a ter condições de pensar além da “barriga vazia”, da “conta da mercearia”, do tráfego caótico que a impede de chegar na hora ao serviço, entre outros pontos de sustentação psicológica da vida, podendo ser estimulada então, a pensar sobre demasiada queima de combustíveis fósseis por nossa civilização.

Tom Prates, outubro de 2020