15 anos de Lei Maria da Penha: vamos pensar e agir?
Faz 15 anos que a Lei Maria da Penha, Lei n. 11.340/2006, está em vigor.
Quem me chamou a atenção para tal fato foi a Mestre Regina Célia, professora em várias Faculdades de Pernambuco e co-fundadora do Instituto Maria da Penha.
Precisamos celebrar a instituição da Lei 11.340/06, é certo, pois de forma direta ou indireta a lei protegeu – e protege – mulheres em situação de perigo em virtude apenas de serem mulheres e da concepção de nossa sociedade alicerçada em conceitos pré-históricos de “homem-caçador” e “mulher-propriedade”. O pior, o mais grave, é que este perigo iminente está na maioria esmagadora das vezes dentro do próprio lar da agredida.
E agredida, entenda-se no seu mais amplo grau possível, pois a agressão emocional ou sentimental é muitas vezes tão ou mais gravosa que a agressão física: a agressão física por vezes não deixa marcas no corpo da vítima, a agressão psicológica sempre deixa marcas na mente e no espírito da vítima.
Há uma letra de música que ficou muito famosa em Portugal, da intérprete Márcia, que diz em dado momento ao seu interlocutor: “sob a pele que há em mim, tu não sabes nada“.
É fato. Ninguém – a não ser a própria ofendida – sabe a gravidade dos danos causados à sua psique, ao seu “eu-interno”, ao seu espírito. Podemos imaginar, oferecer apoio, mas a dor é unicamente sentida por quem recebeu o dano. Quiçá pudéssemos dividir entre nossos espíritos para minimizar os efeitos que recaem sobre um só espírito, mas estamos longe desse tipo de conhecimento e benção.
Infelizmente, ainda cada um carrega sozinho a própria cruz.
Precisamos – como propõe a mestre Regina Célia, fazer um balanço profundo das consequências da lei Maria da Penha: precisamos analisar dados, estratificá-los, esmiuçá-los e digeri-los. Precisamos observar os gargalhos, os filtros e as amarras que ainda permitem a agressão diária – e a muitas vezes a morte semanal – de mais e mais mulheres vitimadas por aqueles que as diziam amar. Tanto amor que se encerra na morte da pessoa iconizada – ou torturada – por uma obsessão de posse disfarçada de amor.
O que falta? Punições mais severas? Mais seriedade por parte das autoridades responsáveis? Mais responsabilidade por parte das autoridades sérias? Mais denúncias? Mais pontos de acolhimento?
Precisamos saber e, sabendo, precisamos tomar as devidas ações – políticas, administrativas, sociais – para sanear tais questões.
E precisamos ir além, caro leitor. Precisamos ir além do gênero “mulher”, principal foco das ações destrutivas, e avançar em direção aos crimes silenciosos de relacionamento, em tudo semelhantes aos praticados contra as mulheres, mas que tem por vítimas simplesmente pessoas.
Sim, pessoas, indiferente de homens ou mulheres, gays ou lésbicas, trans e cis, não importa: os crimes de relacionamento não tem a publicidade que as agressões contra o gênero feminino tem, mas são tão repugnantes quanto.
E mais, são crimes que – quando relatados – são colocados em segundo plano ou discriminados como fraqueza moral, “frescura” ou impossibilidade de sofrimento dos agredidos – moral ou fisicamente – também e simplesmente por suas características de gênero.
O padre Fábio de Melo escreveu uma obra que deveria ser de leitura obrigatória por todos aqueles que estão entrando na adolescência – qualquer seja a opção sexual – chamada “quem me roubou de mim?”
Na obra, escrita em linguagem clara, abrangente e sem nenhum pendor em tentar uma forçada evangelização como alguns poderiam, em princípio pensar, traz um retrato oriundo das observações do Clérigo sobre diversas situações de agressão moral – e na minha opinião moral e espiritual na mesma medida – da qual são vítimas pessoas, apenas “pessoas”.
Pois se pessoas são amadas, pessoas são machucadas.
E em virtude disso, pessoas são manipuladas, pessoas têm a moral e crenças subvertidas, pessoas têm a auto-estima minada e muitas vezes destruída, pessoas são vitimadas por agressores de qualquer sexo, os quais se aproveitam da proximidade amorosa encontrada para estabelecerem relações de opressão e desvalorização do outro.
Em troca de quê? Não sei. Não consigo aceitar os motivos que moveram Hitler a promover o holocausto Judeu da mesma maneira que não consigo aceitar – e sequer entender – os motivos que lema uma pessoa a oprimir outra que a ama, pelo simples ato aparente – ou prazer distorcido – de oprimir.
E, infelizmente, muitas pessoas não têm um dispositivo legal específico que as proteja.
Faz-se mister reconhecer uma maior amplitude da lei Maria da Penha através de uma melhor análise de cada caso registrado e dos resultados reais de cada investigação – se feita – sobre cada situação.
Trata-se, em última análise, do inciso IV, do artigo 3º, de nossa Constituição:
“Promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”
Estamos em plena segunda onda da maior Pandêmia da história de nossa civilização, mas mulheres continuam a ser esfaqueadas pelos maridos na frente de seus filhos, em plena luz do dia.
Muitos partirão pela nossa grande falha em fazer escolhas erradas durante as eleições, não importando se você, caro leitor, é de direita ou de esquerda: todos falhamos, pois não elegemos líderes que nos guiassem para vale das trevas.
Mas, diante de todo esse cenário apocalíptico, muitas mulheres também partirão, vítimas de violência do lar. Muitas mulheres terão seus espíritos marcados a ferro por violências morais praticadas dentro do véu de seus relacionamentos e muitas pessoas, homens, mulheres, gays e lésbicas, cis, trans, hypes, não importa a definição, também terão a vida destruída ou marcada pela nossa incapacidade de protegê-los como sociedade.
Não podemos parar de avançar na proteção dos Direitos Humanos, pondo a culpa na Pandemia.
Pelo contrário: vamos corrigir os erros que permitiram à Pandemia nos impactar com tanta destruição e vamos comemorar os 15 anos da lei Maria da Penha como uma vitória, mas vamos também olhar esses quinze anos como base de estruturas maiores de proteção social e moral, estruturas a serem erigidas que protejam seres humanos dos desvios morais e desumanos de outros seres que se dizem humanos, sob a desculpa de “amar demais”.
Tom Prates, 15/01/2021.
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