Vamos falar sobre o “sistema”?

Vamos falar sobre “o sistema”?
Eu não sei quem ganha com o sistema. Não imagino quem ou o que o criou, mas consigo entender que o sistema funciona muito bem na aniquilação de valores essenciais ao ser humano e que este “sistema” colapsou as relações humanas, a criatividade e as pequenas chances de união entre os povos.
É complexo, é profundo. Profundo demais.
Nós, humanos normais e singulares, acordamos às 06:00, saímos às 7:00 e chegamos ao serviço entre 7:15hs e 9:00, dependendo da cidade e de quão caótico é o tráfego em suas regiões. Então, trabalhamos, reclamamos do governo e depois vamos almoçar. Após o almoço continuamos a trabalhar e a reclamar dos governos. 17:00 horas! às vezes 18:00, 19:00 ou 20:00, dependendo de sua responsabilidade, da cobrança de sua chefia ou de alguma urgência a ser entregue.
Aliás, tudo é urgente.
O trabalho de publicidade a ser entregue para o cliente é urgente, o projeto de engenharia para a usina é urgente, o julgamento de determinado processo é urgente, o cálculo do balanço patrimonial é urgente.
A vida se tornou um entrega sistemática de urgências, por nós, autômatos do “sistema”.
Depois que saímos, passamos pela academia para controlar o peso ou vamos a um pequeno happy hour para controlar o estresse. Vamos para casa, 21:00, talvez 22:00 ou 23:00, dormimos sós ou acompanhados, às vezes bem acompanhados, às vezes não. Então sonhamos com o final de semana que nos reserva um tempo de paz. Antes do sonho chegar na melhor parte, o despertador toca – ou acordamos naturalmente antes dele – e o ciclo recomeça.
É o sistema. É parte dele?
Dentro desse ciclo diário, usualmente não nos resta tempo para pensar na nossa vida, no nosso bairro, na política de nosso município, estado ou país.
Nem na reunião de condomínio as pessoas comparecem,
E, quando você pensa em quebrar esse ciclo, surgem importantes impedimentos: como você vai faltar ao trabalho para participar de uma manifestação pacífica a favor do aumento de leitos em hospitais sem sofrer uma advertência de seus chefes?
Se você é um agente estatal quer seja militar ou civil, como não agir de acordo com as normas vinculadas (no sentido de obrigatório, em Direito Administrativo) mesmo que elas, naquele situação real, sejam as piores possíveis.
Por exemplo, a reintegração de posse ocorrida em meados de 2019, embaixo de um viaduto da Rodovia dos Imigrantes, em São Paulo, onde tropas da polícia militar com o apoio de tratores e uma ordem judicial demandada de uma Desembargadora (ou seja, decisão monocrática de um órgão que deve julgar em colegiado, em liminar) do TJSP, destruíram dezenas de barracos erigidos por pessoas de classe média baixa que, na sua imensa maioria entrevistada pelos profissionais do “profissão repórter” nunca haviam “morado na rua”, mas chegaram a aquele extremo devido a terem ficado sem trabalho por conta da pandemia.
O que pode fazer o comandante da tropa diante disso: desobedecer porque é injusto e jogar fora uma vida inteira de combate nas ruas? O que pode fazer o gestor da concessionária que acionou o Juízo? Desistir da ação ao ver que estaria tirando a única moradia de pessoas que estavam no fundo do poço? Mas e a cessão administrativa que obriga a concessionária a manter tais áreas livres de ocupação? a empresa poderia ser penalizada e o tal gestor perder o emprego.
Dessa maneira, o sistema nos obriga a agir como autômatos sob regras cuja aplicação nem sempre é a maneira mais justa de se resolver um problema que trata de Direitos Humanos, afinal, segundo nossa própria Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XXIII, diz que “a propriedade atenderá a sua função social”. O artigo 3º, em seu inciso III, reza que um dos objetivos fundamentais de nossa República é “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais.”
Se temos um terreno baldio embaixo de um viaduto ocupado por pessoas que devido a uma pandemia perderam suas fontes de renda, é justo não fazer com que tal espaço cumpra, mesmo que temporariamente, sua função social?
Mas todos os envolvidos no processo de desapropriação estavam “amarrados” em algum alicerce legal, porém, naquele momento, imoral.
E assim caminhamos: não temos tempo para discutir os problemas de nosso bairro, porque temos que trabalhar. Choramos e fazemos birra quando uma “reforma da previdência” nos retira os Direitos de nos aposentarmos ainda em vida, em vida quero dizer com idade compatível para poder aproveitar um pouco de nossa aposentadoria.
Mas por que não nos organizamos e elegemos, para a próxima legislatura, políticos que nos prometam durante a campanha que irão fazer uma “contra-reforma” da previdência? Estamos falando de leis humanas, votadas em um congresso por representante do povo e não de leis insculpidas em granito por raios advindos de uma entidade superior, por exemplo.
São apenas leis humanas que podem ser revogadas, substituídas por outras leis favoráveis a quem delas precisa: nós, o povo.
Já comentei em outro artigo a questão do porquê as loterias no Brasil são usadas para concentração de renda ao invés de serem usadas para distribuição de renda.
Porque o sistema prefere pessoas que estejam sempre precisando de dinheiro: uma pessoa com as contas em dia, um carro na garagem e dinheiro guardado para emergências, é uma pessoa que passa a ter mais tempo para pensar.
E o sistema não tolera quem pensa, pois se todos pensarmos, como poderemos aceitar que 1% da população da Terra detêm 99% das riquezas econômicas?
Como aceitar que mais da metade da população mundial passa fome? Como aceitar imagens de pessoas em cidades destruídas por guerras e que, ao tentar fugir em botes improvisados, morrem na travessia ou são presos ao final da fuga?
Quando as primeiras imagens da covid 19 chegaram ao Brasil, em novembro de 2019, da China, eu olhei aqueles socorristas vestidos como astronautas e disse para mim mesmo: isso é mais grave do que estão anunciando.
Mas, mesmo assim, veio o carnaval, depois vieram as eleições e a segunda e a terça onda de covid. Estamos em que contagem no Brasil agora, 3.000 mortos por dia?
Ontem morreu a mãe de um caro amigo, com apenas 67 anos, passou dois dias entubada.
E mesmo assim, vendo os nossos vizinhos, amigos e amigos dos amigos continuamos a agir “de acordo com o sistema”.
Não há plano, nem de Direita, nem de Esquerda a fim de unir nossas lideranças políticas, econômicas e sociais em uma luta coordenada contra a pandemia.
Há uma competição por dividendos políticos.
Precisamos, de forma organizada e legal, nos opor a um sistema que nos mantém reféns de uma estrutura circular que a cada dia nos afasta mais e mais de qualidade de vida, de segurança, de saúde-pública, de seguridade social e, do mais importante, da empatia com os outros serem humanos que nos rodeiam, os quais – raras exceções – têm as mesmas necessidades, carências, desejos que nós.
Nada acontece sem motivo: estamos em um momento de mudança, façamos nossa parte para que essa mudança seja rumo à quebra do “sistema”, pois apesar de não saber que o criou ou quem se satisfaz com a existência do mesmo, posso ao menos garantir que não fomos nós, o povo, que o criamos e que nos mantemos a partir dele.

Tom Prates, 21/03/2021.