O desconhecimento geral da população sobre o orçamento público

O Momento Decisivo: o desconhecimento geral da população sobre o orçamento público e questionamentos sobre o real porquê dessa situação.

Autor: Wellington Carlos Prates

Orientadora: Professora Delaine Borin Gibeli Viana

Resumo

O artigo perscruta a história e alguns meandros do Orçamento Público, notadamente o Brasileiro a fim de salientar o desconhecimento da população sobre o assunto e questionar quais seriam os reais motivos para se afastar o povo representado dos ritos de formação das Leis Orçamentárias.

Palavras-chave: Orçamento público. LOA. Parlamento. Democracia.

A man may fish with the worm that hath eat of a king, and eat of the fish that hath fed of that worm, said Hamlet.

What dost you mean by this, Claudius asked. Then answered Hamlet:

Nothing but to show you how a king may go a progress through the guts of a beggar.”

Hamlet, by Shakespere, in act 4, scene 3

“Um homem pode pescar com o verme que comer de um rei, e comer do peixe que se alimentou daquele verme, disse Hamlet.
O que você quer dizer com isso, perguntou Claudius. Hamlet respondeu:

Nada, mas mostrar-vos como um rei pode fazer um passeio pelos intestinos de um mendigo.”

Hamlet, de Shakespere, ato 4, cena 3

1- Introdução

O desenvolvimento da agricultura, há 10.000 A.C é aceito como passo inicial de nossa atual civilização humana. (VICENTINO, 2006).

O sucesso dessa civilização tem como marca a união de indivíduos em grupos, sua organização social, política e econômica (SOUTO MAIOR, 1967). O agrupamento de indivíduos estabeleceu desde cedo a necessidade de da contribuição individual para o bem estar do grupo, primeiramente sob a forma de prestação de serviços para geração de sustento (caça, pesca, coleta, agricultura) e sequencialmente sob a forma de prendas, presentes, bens e – finalmente – numerário como forma de “tributos” àquelas organizações sociais primitivas representadas pelos seus líderes.

O crescimento dos agrupamentos sociais de tribos para cidades e depois para Estados Nacionais, fez crescer paralelamente a preocupação dos líderes – agora governantes – em aumentar a arrecadação, afinal de contas era necessária renda para custear a manutenção de exércitos, muralhas e dos próprios governos.

Essa preocupação dos governantes foi acompanhada pela preocupação dos governados em limitar a arrecadação desmedida dos chamados tributos pelos Estados Nacionais, uma vez que também passaram a perceber que tais arrecadações não visavam somente ao custeamento do Estado, mas também serviam para viabilizar vontades pessoais das classes governantes. O Rei Luís XIV, o “Rei Sol”, representante exponencial do Absolutismo, “envolveu a França em confrontos militares que abalaram as finanças do Estado” (VICENTINO, 2006, p. 215). Para resolver o problema dos cofres do Estado, Luíz XIV “mantinha a política de aumento de impostos, descontentando a burguesia e atraindo críticas e oposição” (VICENTINO, 2006, p.215).

Essa realidade se afirmou cada vez mais, tendo em vista que a própria existência monumental de um Estado Nacional só é possível através da derivação do Capital Financeiro da população súdita para os cofres Estatais. Mais importante na prática que a cessão de direitos exclusivos do Particular para o Estado2, a cessão de Capital Privado para o Estado na forma de Tributos e seu controle sempre foi um assunto da mais alta relevância no dia a dia dos Estados Nacionais, tão relevante que por várias vezes foi discutido à base da espada nos primórdios de sua concepção moderna, vejamos alguns exemplos:

1- a Magna Carta de 1217 foi imposta pelos Barões Ingleses ao Rei João Sem Terra em 1215 e assinada sob forte coação pelo Rei Henry III em 1217. Estabelecia-se ali que nenhum Tributo ou Auxílio seria concedido ao Rei sem autorização do Parlamento. (BURKHEAD, 1971);

2- em 1628 o Parlamento Inglês impôs ao Rei Carlos I o ato “Petition of Rigths” onde – entre outras regras – havia a confirmação do princípio citado, assinado na Magna Carta de 1217. Carlos I não aceitou e após travar uma guerra contra o Parlamento (literalmente), foi derrotado e teve a cabeça decapitada (GIACOMONI, 2017);

3- muitos autores consideram que a Revolução pela Independência dos Estados Unidos da América decorreu da contrariedade dos colonos em face dos tributos cobrados pelo governo Inglês (GIACOMONI, 2017).

Apesar dessa importância, no Brasil o orçamento público é discutido o mais internamente possível nos diversos Parlamentos nacionais, sob a égide de processos complicados, denominações complexas e aprovações formalizadas sem o conhecimento real da maioria da população.

Essa internalização da discussão nos recônditos do parlamento no Brasil, nos parece ser o primeiro sinal de uma espécie de “ciclo pernicioso” de manipulação, no qual as decisões do Orçamento Público são tomadas à distância do conhecimento e participação da população. Tais decisões implicam inexoravelmente em cada vez menos recursos na educação da população, seja na forma de diminuição de despesas, na simplificação de currículos dos discentes, na subvalorização dos docentes ou precarização das estruturas físicas educacionais. Menos recursos, maior produção anual de analfabetos funcionais, os quais não entendem – e por sua vez não se interessam pela – a administração dos recursos públicos financeiros. Dessa maneira provoca-se um “emburrecimento” e uma “apatia política” na população utilizando-se justamente dos recursos financeiros fornecidos por essa mesma população.

O presente artigo descreverá de maneira sucinta as origens gerais do Orçamento Público no mundo e sua legislação atual no Brasil, questionando quais seriam os motivos para se manter a distância entre conhecimento do orçamento e a população que o sustenta.

2-Desenvolvimento

2.1-Um pequeno histórico do Orçamento Público Universal

Em 1217, na Inglaterra, foi assinada pelo Rei Henry III a Magna Carta. Dentre outros dispositivos, o artigo 12 dizia que “ nenhum tributo ou auxílio será instituído no Reino, senão pelo seu Conselho Comum, exceto com o fim de resgatar a pessoa do Rei, fazer seu primogênito cavaleiro e casar sua filha mais velha uma vez, e os auxílios para esses fins serão razoáveis em seu montante” (BURKHEAD, 1971)

O Conselho Comum era um órgão de representação na época formado pelos principais nobres (GIACOMONI, 2017) “vassalos” do Rei. Esses nobres eram diretamente responsáveis por entregar ao rei determinados tributos e diante da sanha insaciável do antecedor de Henry III, João Sem Terra, travaram dura luta até conseguir impor o dispositivo citado. A premissa básica era não permitir que um rei – observe, ainda na Idade Média, em pleno absolutismo – não cobrasse os impostos a seu bel prazer.

Carlos I, também Rei da Inglaterra, travou outra luta contra o parlamento Inglês na tentativa de estabelecer um Absolutismo total no qual pudesse – entre outras atividades – implantar e cobrar impostos sem dar satisfação ao Parlamento. Derrotado, foi decapitado em 1649.

A execução de Carlos I marcou um fato inédito na história européia, pois, pela primeira vez, um monarca foi executado por ordem do parlamento e não por intrigas palacianas. Ao tomar essa decisão, a sociedade, representada pelo parlamento, sepultava um princípio Político central do Estado moderno: a ideia da origem divina do rei e de sai incontestável autoridade (VICENTINO, 2006, p. 219).

Em 1689, o Parlamento, aproveitando-se dos eventos de uma sequência de episódios conhecida como Revolução Gloriosa, instituiu o Bill Of Rights onde se reforçou a ideia de não poder existir tributo sem o consentimento do Parlamento (GIACOMONI, 2017).

Em 1787, o Parlamento Inglês aprova a “Lei do Fundo Consolidado”, a qual representou um grande avanço na organização das finanças públicas Inglesas. O fundo consolidado possibilitou a contabilização dos fundos públicos (reservas de capitais obtidas da arrecadação de impostos), o que – por sua vez – viabilizou a publicação de um relatório anual detalhado das finanças Inglesas. Em 1822 o chanceler do Erário (uma espécie de ministro da economia, transpondo para nossos tempos atuais, no Brasil) passou a apresentar ao parlamento uma exposição que fixava a receita e a despesa de cada exercício, marcando o início do orçamento público, plenamente desenvolvido, na Inglaterra (BURKHEAD, 1971).

Atualmente, o Orçamento Inglês é apresentado e defendido diante do Parlamento por um representante do Executivo, visando a sua aprovação. Durante todo o século XIX, o orçamento Britânico foi sendo aperfeiçoado e valorizado como instrumento básico da política econômica e financeira do Estado. As maiores contribuições reconhecidas pelos estudiosos em relação ao orçamento Inglês são: primeiro, delinear a natureza técnica e jurídica desse instrumento e; segundo: difundir a instituição orçamentária para outros países (GIACOMONI, 2017, P. 33)

Na França, a ideia do orçamento público moderno e aprovado por um poder diferente do Executivo surgiu com a Revolução Francesa, em 1789, através da adoção do “Princípio do Consentimento Popular”. Durante o período de Napoleão, tal Princípio foi obviamente relegado a um segundo plano, ressurgindo com a restauração da Assembleia Nacional em 1815. A partir de 1831 o controle parlamentar Francês sobre o orçamento passou a ser mais complexo e consolidou determinados padrões hoje aceitos como base na concepção dou trinária do orçamento público (GIACOMONI, 2017):

1) a anualidade do orçamento;

2) a votação do orçamento antes do início do exercício;

3) o orçamento deve conter todas as despesas e todas as previsões financeiras para o exercício (princípio da universalidade);

4) a não vinculação de itens da receita a despesas específicas (princípio da não-afetação das receitas).

Nos Estados Unidos da América, o próprio nascimento do Estado através das guerras de independência é considerado por Burkhead (1971) como um fato decorrente da atitude de contrariedade dos colonos em face dos tributos cobrados pela coroa Britânica.

A evolução dos processos referentes ao orçamento público nos Estados Unidos passa por vários modelos técnicos que, notadamente a partir do século XX, passam a concentrar a ideia do planejamento junto ao poder executivo, deixando ao poder legislativo as rotinas de aprovação e fiscalização.

Essa visão é, sem dúvida, reflexo da evolução do pensamento do orçamento – conforme vimos na Inglaterra e na França – haja visto que concentrar o planejamento, a execução e a fiscalização de todos os procedimentos financeiros de um Estado em um só poder, acabaria com toda premissa da teoria de “freios e contrapesos” reinante na modernas democracias ocidentais.

(…) na clássica separação de poderes (legislativo, executivo e judicário) reside essencialmente a proteção aos direitos individuais, uma vez que o sistema de controles recíprocos entre os poderes, denominado “freios e contrapesos” (checks and balances), tende a reduzir a probabilidade de abusos e até de um regime ditatorial (ALEXANDRE, 2017, p. 4).

No Brasil, o período colonial vai de 1530 até 1908, com o decreto da abertura dos Portos e elevação do Brasil a condição de Reino Unido ao Reino de Portugal. Neste período pode-se destacar que a Guerra de Restauração movida pelos Brasileiros e Portugueses contra o invasor Holandês (1624-1644) foi movida em parte pela imposição de altas taxas de juros aos empréstimos contraídos pelos senhores de engenho do Nordeste junto à Cia da Índias Ocidentais, haja visto que antes da cobrança de tais taxas (durante o periodo da administração do Conde Maurício de Nassau) havia uma relação pacífica entre os citados donos de engenho e o Governo Holandês (FROTA, 1987). A Inconfidência Mineira tentou conquistar a soberania para o país usando como motivação o descontentamento com a “Derrama”, tributo extorsivo periódico praticado pelos responsáveis pela administração da região das Minas Gerais, mas após a suspensão do tributo pelas autoridades, viu que havia mais disposição em fugir do fisco Português e menos consciência política em prol da independência da colônia (GIACOMONI, 2017).

Percebe-se, pois, que os mesmos ideais de não-admissão de tributos sem a anuência daqueles que iriam fornecê-lo se faziam presentes também no Brasil, apesar da sempre brutal repressão do governo Português.

Na primeira Constituição do Império do Brasil, a qual foi elaborada por um Conselho de Estado e outorgada por D. Pedro I em 25 de março de 1824, “depois da dissolução, por D. Pedro I, da assembleia constituinte que, antes, havia sido convocada” (ALEXANDRINO, 2016, P. 26), surgem as primeiras evidências Brasileiras no sentido da elaboração de orçamentos formais por parte das instituições do Estado. Essa Constituição de 1824 distribuía as competências dos poderes imperiais em matéria tributária e orçamentária do seguinte modo (GIACOMONI, 2017):

a) ao Executivo competia a elaboração da proposta orçamentária;

b) à Assembleia Geral (Câmara dos Deputados e Senado) a aprovação da Lei Orçamentária;

c) à Câmara dos Deputados a iniciativa das leis sobre impostos.

Mais tarde, na Constituição da República, em 1891, houve importante alteração nas competências em relação ao orçamento, onde a elaboração passou a ser função privativa do congresso nacional, bem como a tomada de contas do executivo. Foi nessa constituição que institui-se o primeiro Tribunal de Contas, órgão criado para auxiliar o Congresso no chamado controle externo do executivo (ALEXANDRE, 2017).

Essa “disputa” por maior controle do orçamento entre executivo e legislativo perpassou os anos, havendo alterações significativas desde a revolução de 30 até a Constituição de 1988, passando pelo Estado Novo e Governos Militares (FROTA, 1987).

Atualmente, apesar do Brasil adotar a forma federativa de Estado para a repartição territorial de poderes e a forma republicana de governo para a regulação do meios de aquisição e exercício do poder pelos governantes (ALEXANDRE, 2017), é fato que o orçamento público Brasileiro atual é regido por dispositivos legais de abrangência nacional, os quais se sobrepõem, complementam e orientam os instrumentos locais, conforme o artigo Art. 24, da Constituição Federal.

Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
I – direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico;
II – orçamento (…)

Destarte, existe todo um regramento federal acerca do orçamento a ser seguido pelos poderes estaduais e municipais, mostrando – mais uma vez – a intensa disputa pelo controle das receitas e despesas do Estado, não só entre os poderes executivo e legislativo (como vimos até agora) mas também entre as próprias instâncias de manifestação do poder do Estado.

2.2-A evolução das despesas públicas no século XX

2.2.1-Fatos

Conforme Giacomoni (2017), o aumento das despesas públicas vertiginoso foi um marco no século XX.

Uma das características mais marcantes da economia do século XX foi o crescente aumento das despesas públicas. Tal situação não ocorreu apenas nos países de economia coletivizada, onde o Estado, por definição, é o grande agente econômico, mas também nas nações capitalistas avançadas, praticantes da livre iniciativa de mercado (GIACOMONI, 2017, p. 3).

Nos Estados Unidos, segundo (MUSGRAVE, 1980), os gastos dos três níveis de governo passaram de 6,5% do PNB (produto nacional bruto) em 1890 para 30% na década de 1970, estabilizando-se em valores próximos a 40% nas décadas de 1980 e 1990 (GIACOMONI, 2017).

Ainda segundo Giacomoni (2017), as despesas públicas no Brasil cresceram de maneira agressiva após a segunda guerra mundial. A participação das despesas públicas no Produto Interno Bruto foi de 17% em 1947; de 25% em 1969; de 24,66% em 1979; de 28,06% em 1996; de 34,23% em 2006 e de 35,95% em 2013.

2.2.2-Justificativas tradicionais

Esse aumento das despesas públicas é associado a várias causas (GIACOMONI, 2017), como a ‘Lei do Crescimento Incessante das Atividades Estatais’, do economista Alemão Adolf Wagner (1880); os quatro imperativos de gastos públicos do autor Gerhard Colm (1930) e a necessidade de intervenção no mercado e a implantação do Estado de bem estar Social (Wellfare State), entre outras.

A política Keynesiana da busca do pleno emprego para estimular as economias em recessão, adotada primeiramente nos Estados Unidos e depois por diversos países industriais, foi seguida da instalação de modernos sistemas previdenciários servindo de base às politicas de bem estar social desenvolvidas pelos países capitalistas, o Wellfare State, termo que entrou em uso a partir de 1940 (VICENTINO, 2006, p. 396)

Sejam quais forem as teorias justificadoras do aumento do percentual de arrecadação do Estado em relação ao PIB, todas têm como fator comum uma maior intervenção do Estado na economia. Richard Musgrave concentrou essa intervenção do Estado em três tipos de funções, as quais ficaram conhecidas como “funções fiscais do governo” (GIACOMONI, 2017), quais sejam:

1) função ALOCATIVA;

2) função DISTRIBUTIVA;

3) função ESTABILIZADORA.

Essas funções, respectivamente, visam promover ajustes na alocação de recursos, promover ajustamentos na distribuição de renda e manter a estabilizadade econômica.

2.2.3-Questionamento

Fica claro, então, que para um Estado cumprir tais funções econômicas é necessário que este Estado faça uso de seu poder de império e amealhe parte da renda de seus súditos para os cofres públicos. Tem-se a impressão também que uma população crescente represente uma maior necessidade de arrecadação, o que – em princípio – justificaria o crescimento dos percentuais de tributação.

Porém, é sabido que o crescimento de uma população também aumenta a geração do PIB, uma vez que há um aumento da força de trabalho geradora de riquezas.

A tabela a seguir mostra o crescimento da população Brasileira total segundo os dados disponíveis nos arquivos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2018):

Tabela : crescimento total da população Brasileira entre os anos 1872 e 2007

Ano

Totais

Ano

Totais

1872

9.930.478

1960

70.070.457

1890

14.333.915

1970

93.139.037

1900

17.438.434

1980

119.002.706

1920

30.635.605

1991

146.825.475

1940

41.236.315

1996

157.825.475

1950

51.944.397

2007

183.987.291

Fonte: IBGE

Calculando a diferença entre as faixas de 1960 e 1970 acima apresentadas, podemos inferir um incremento na população da ordem de 32,92%3.

Para nos ater apenas ao intervalo citado, também segundo o IBGE, a série histórica de incremento do PIB brasileiro segue a seguinte tabela:

Tabela : variação do PIB brasileiro de 1960 a 1970

1960

9,4

1961

8,6

1962

6,6

1963

0,6

1964

3,4

1965

2,4

1966

6,7

1967

4,2

1968

9,8

1969

9,5

1970

10,4

Fonte: IBGE

Calculando a variação acumulada4 do PIB de 1960 (PIB1960) através das variações da tabela acima, chegamos ao fator de 1,99, ou seja, um crescimento de quase 100% do PIB ao longo dos 10 anos analisados. Ao se contrapor tal crescimento com a taxa de crescimento da população calculada (32,92%), podemos verificar que o PIB cresceu três vezes mais que a população, não justificando, portando, o aumento do percentual de tributos no período.

Porém uma das justificativas mais comuns dadas pelos Governos é que a população crescente requer sempre mais recursos econômicos.

Além disso, após as crise econômicas da década de 1970, o Wellfare State passou a ceder espaço ao liberalismo econômico, o qual preconiza o afastamento do Estado das interferências econômicas (VICENTINO, 2006). A redução da ameaça do domínimo hegemônico da URSS, em 1992, também fez com que o bloco capitalista mundial reduzisse suas ações sociais (consumidores de recursos) junto às populações, prevalecendo ainda mais a economia de mercado.

A crescente força privada e a crise do Estado intervencionista deram impulso, por sua vez, às pregações neoliberais, cujos principais defensores são o austríaco Friederick Hayek, ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 1974, com suas ideias anti-keynesianas, seguidas pelos norte-americanos Milton Friedman, Prêmio Nobel de Economia de 1976, e Robert Lucas, Prêmio Nobel de Ecpnomia em 1995, entre outros. Na política, as condições favoráveis ao neoliberalismo só se efetivaram com os governos de Margareth Thatcher, a partir de 1979, no Reino Unido, Ronald Reagan, a partir de 1980 nos Estados Unidos, e Helmut Kohl, a partir de 1982, na Alemanha, irradiando-se, em seguida, por todo o mundo (VICENTINO, 2006, p. 503).

No Brasil, os governos de Fernando Henrique Cardoso, de 1995 a 2002, tiveram a marca explícita do neoliberalismo implementando uma reforma administrativa através do PDRAE (Plano Diretor da Reforma do Estado), tendo como marco a Emenda Constitucional número 19. Além disso, a privatização de inúmeras empresas estatais instituiu no Brasil o Estado neoliberalista (PALUDO, 2015, p. 121).

Dessa maneira pudemos perceber que ao mesmo tempo em que o Estado Brasileiro se afastou da intervenção e participação ativa na economia, aumentou os seus percentuais de arrecadação dos tributos em relação ao PIB, em um movimento paradoxal e, em princípio, sem explicação satisfatória.

2.3-As leis brasileiras sobre orçamento público

2.3.1-A Doutrina

Atualmente, no Brasil, pratica-se o ‘ciclo de gestão do governo federal’ (PALUDO, 2015), também chamado de ‘ciclo de gestão ampliado’, o qual engloba o planejamento, orçamento, gestão e controle de todas as receitas e despesas públicas através dos seguintes instrumentos principais:

1-o Plano Plurianual (PPA);

2- a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO);

3- a Lei do Orçamento Anual (LOA).

O plano plurianual, que vigora por 4 anos, estabelece diretrizes, objetivos e metas, da administração federal para as despesas de capital e para os programas de duração continuada, veiculando, portanto, um planejamento para médio/longo prazo.

A lei de diretrizes orçamentárias é elaborada anualmente e objetiva detalhar as metas e prioridades da administração para o ano subsequente, e orientar a elaboração da lei orçamentária anual, além de dispor sobre alterações tributárias e estabelecer a política de aplicação das agências de fomento.

A lei orçamentária anual obedece aos parâmetros definidos pela LDO e pelo PPA e estima as receitas e fixa as despesas de toda a administração pública federal para o ano subsequente. O orçamento é um instrumento que expressa a alocação dos recursos públicos, sendo operacionalizado por meio de ações vinculadas aos programas que constituem a integração do planejamento com o orçamento (PALUDO, 2015, p. 290).

Paralelamente a estas três ferramentas, o Brasil também precisa seguir – no que se refere a orçamento público – o conteúdo da Lei Federal 4320/64, a qual “estatui Normas Gerais de Direito Financeiro para elaboração e contrôle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal” (PALUDO, 2015, p. 291).

2.3.2 – Definições diversas, conteúdos contraditórios ou redundantes

Entende-se que ao tratarmos de orçamento público, contemplamos os orçamentos das três instâncias de poder: municípios, estado e união. Destarte, temos – por exemplo – no estado de São Paulo, uma LOA, uma LDO e uma PPA. Ao nos aproximarmos de cada um dos 645 municípios do estado de São Paulo, cada um desses municípios também terá uma LOA, uma LDO e uma PPA, e todas essas leis devem seguir obrigatoriamente os conteúdos dissertados na lei 4320/64 e na Constituição Federal, onde se encontram parâmetros que se referem à administração do orçamento, à sua formulação e controle.

Por exemplo, o parágrafo primeiro do artigo 165, da Constituição Federal, reza que:

A lei que instituir o plano plurianual estabelecerá, de forma regionalizada, as diretrizes, objetivos e metas da administração pública federal para as despesas de capital e outras delas decorrentes e para as relativas aos programas de duração continuada. (PALUDO, 2015, p. 292)

Ao nos encontramos com tal conceito, podemos dividi-lo em várias partes para uma análise mais profunda. Entre esses conceitos, Paludo (2015) pormenoriza:

Despesas de Capital: as despesas de capital são aquelas que contribuem para a formação ou aquisição de um bem de capital – são obras de toda espécie, equipamentos, investimentos, inversões financeiras e amortizações de dívidas.
Programas de duração continuada: de acordo com a Lei de Responsabilidade Fiscal são programas que ultrapassem dois exercícios financeiros. Referem-se à manutenção dos órgãos e entidades e aos recursos necessários à oferta de bens e serviços no período de vigência do PPA através de programas continuados de educação, saúde, lazer, etc. (PALUDO, 2015, p.293)

Entende-se que o Estado só pode pode fazer aquilo que a lei determina, segundo o Princípio da Legalidade (ALEXANDRE, 2017). Tais leis passam por extenso processo legislativo para que possam ser promulgadas e passarem a efetivas no mundo jurídico. Ora, se as leis no Brasil são – em sua maioria – preparadas pelo Legislativo (em suas várias instâncias) que nada é mais do que a representação indireta da população, será adequado que leis voltadas diretamente para a administração dos recursos financeiros exauridos da população estejam envoltas em várias camadas de compreensão?

Vejamos, pois, a definição de “inversões financeiras”, segundo a Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo:

Inversões financeiras são despesas orçamentárias com a aquisição de imóveis ou bens de capital já em utilização; aquisição de títulos representativos do capital de empresas ou entidades de qualquer espécie, já constituídas, quando a operação não importe aumento do capital; e com a constituição ou aumento do capital de empresas, além de outras despesas classificáveis neste grupo.

Apesar de parecer claro, frise-se que operações que importem no aumento de capital necessitam de conhecimento técnico contábil a fim de inferir quando uma operação não implica em aumento ou redução do Patrimônio Líquido.

Não bastasse tal fato, a Lei 4320/64, artigo 12, parágrafo 5º, tem uma definição um pouquinho diferente para inversões financeiras:

Classificam-se como Inversões Financeiras as dotações destinadas a:
I – aquisição de imóveis, ou de bens de capital já em utilização;
II – aquisição de títulos representativos do capital de emprêsas ou entidades de qualquer espécie, já constituídas, quando a operação não importe aumento do capital;
III – constituição ou aumento do capital de entidades ou emprêsas que visem a objetivos comerciais ou financeiros, inclusive operações bancárias ou de seguros.

Conforme pode-se perceber, a definição da SEFAZ-SP se finaliza com ‘além de outras despesas classificáveis neste grupo’, ou seja, há uma margem de manobra para se classificar algo a mais.

Além das definições altamente específicas ou claramente abertas (como no exemplo acima), as leis que delimitam a criação dos orçamentos públicos também definem os ritos, prazos, a serem desenvolvidos, como não poderia deixar de ser. Vejamos mais um pequeno excerto da Lei 4320/64:

Art. 36. Consideram-se Restos a Pagar as despesas empenhadas mas não pagas até o dia 31 de dezembro, distinguindo-se as processadas das não processadas.
Parágrafo único: os empenhos que sorvem a conta de créditos com vigência plurienal, que não tenham sido liquidados, só serão computados como Restos a Pagar no último ano de vigência do crédito.

Restos a pagar, despesas empenhadas, despesas processadas e mais uma infinidade de termos que só podem ser entendidos por uma pessoa que se dedica ao estudo da matéria. Não se pretende aqui questionar o acerto em se tratar de questões técnicas com termos técnicos, pretende-se destacar que ao retirar parte dos ganhos do povo para se custear o Estado, deve-se fazê-lo mediante um regramento inteligível por um cidadão de formação cultural média, afinal o tributo vem de todos e todos devem ter o direito de entender o que está acontecendo com a parte que lhes é retirada de suas economias.

2.3.2-Questionamento

Segundo ALEXANDRE (2017), o princípio da publicidade se liga diretamente ao princípio da cidadania, ao permitir que o povo – ao tomar conhecimento de atividades danosas o interesse público – adote providências para coibir tais atividades e punir o responsável. Ora, não seria, portanto, útil para a facilitação de conhecimento ao público que todas as normas referentes aos orçamento público estivessem sob uma única rubrica? Por que não facilitar ao cidadão o acesso a dispositivos diretos, os quais não careçam de complementações segundo outros e outros dispositivos? Por que não se unificar definições, redundâncias, emaranhados jurídicos e expor ao povo uma legislação clara?

3-Considerações Finais

Parece-nos que todo o sistema de orçamento público no Brasil é feito de maneira a justamente afastar do entendimento, o cidadão que o financia.

Além das questões técnicas ora explicitadas, qual é a amplitude da divulgação das sessões plenárias de aprovação das leis que formam o orçamento? Não se fala aqui em pautas públicas ou publicações em Diários Oficiais para atender ao já citado princípio da publicidade, fala-se sobre divulgação publicitária que se utiliza de mídias de massa como televisão e rádio.

É fácil ver-se propagandas de obras realizadas pelo governo X ou Y, mas desafia-se o leitor a tentar se lembrar de quando viu – em uma mídia de massa com penetração eficaz – uma publicidade de sessão de votação de orçamento público a se realizar.

Há tentativas aqui e acolá de trazer o povo para perto do orçamento público. Segundo Giacomoni (2017), o orçamento participativo da Prefeitura de Porto Alegre no final dos anos 1970 e outras expeiências em Boa Esperança, no Espírito Santo; em Diadema, São Paulo e no Recife, em Pernambuco foram interessantes na intenção de fazer da participação da comunidade um fator de decisão na elaboração, mas essas tentativas falharam em continuidade ao irem de encontro a interesses políticos diversos.

Através da contemplação da passividade atual da população contribuinte, é estarrecedor perceber o quão eficiente foi a implantação do atual sistema de tributação que transformou populações gigantescas em ordeiras “vacas leiteiras” a serviço da incansável mão ordenadora do Estado. É impressionante perceber o quão distantes ficaram as lutas históricas entre os contribuintes e a sanha arrecadadora dos Estados Nacionais.

Segundo a Câmara dos Deputados (2018), o Orçamento Público do Governo Federal para 2018, aprovado no ano passado, contemplou uma receita total estimada de R$ 3.506.421.082.632,00 (três trilhões, quinhentos e seis bilhões, quatrocentos e vinte e um milhões, oitenta e dois mil, seiscentos e trinta e dois reais). Desse montante absurdo de dinheiro, R$ 1.157.215.424.954,00 (um trilhão, cento e cinquenta e sete bilhões, duzentos e quinze milhões, quatrocentos e vinte e quatro mil, novecentos e cinquenta e quatro reais) foram destinados ao refinanciamento da dívida pública federal, ou seja: juros sobre juros pagos a Bancos e Fundos de Investimento. Para a Previdência Social – um assunto em constante discussão, ao qual o governo atual Brasileiro atribui todos os problema de inconsistência de fechamento, foram reservados cerca de R$ 585.000.000.000 (quinhentos e oitenta e cinco bilhões de reais), 1/3 do valor destinado ao pagamento de juros, sobre o qual nenhum parlamentar comenta.

O ciclo pernicioso de achatamento dos direitos básicos, da educação e do pensamento, que destrói e definha qualquer espírito de indignação parece, realmente, ter conseguido extremo sucesso.

No entanto, é possível que ecos de uma passado libertário não tão distante historicamente se façam ouvir, em um Momento Decisivo, diante de situações nacionais cada vez mais alarmantes em relação à segurança, saúde, educação e moradia.

Talvez aqueles que manipularam hostes democráticas, ainda sejam lembrados que o destino inexorável de todo ser humano é ser comido pela própria terra de onde se fez o homem, onde os vermes – com os quais o povo ainda pesca os peixes que come – ainda se alimentam dos Reis.

Recife, aos 15 de maio de 2018.

4-Referências

ALEXANDRE, Ricardo; DEUS, João de. Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método. 2017.

BURKHEAD, Jesse. Orçamento Público. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1971.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Disponível em < https://goo.gl/dQHrb9 > . Acesso em 15/05/2018.

FROTA, Guilherme de Andrea. Panorama da História do Brasil. Editora Rio de Janeiro: Rio de de Janeiro. 1987.

GIACOMONI, James. Orçamento Público. São Paulo: Fundação Atlas. 2017.

IBGE. Tabelas 1 e 2. Disponível em <https://goo.gl/YtSeZd>. Acesso em 03/05/2018.

IBGE. Série histórica do PIB. Disponível em < https://goo.gl/3hKmwy> . Acesso em 03/05/2018.

MUSGRAVE, Richard; MUSGRAVE, Peggy. Finanças Públicas: teoria e prática. Rio de Janeiro: Campus. 1980.

PALUDO, Augustinho. Administração Pública – 4ª edição. Rio de Janeiro: Forense. São Paulo: Método. 2015.

SEFAZ-SP. Disponível em <https://goo.gl/F8fqE1>. Acesso em 03/05/2018.

SOUTO MAIOR, Armando. História Geral. Rio de Janeiro: Cia Editora Nacional. 1967.

VICENTINO, Cláudio. História Geral. Volume Único. Editora Scipione, São Paulo. 2006.

 

1 Aluno de Graduação do 4º ano do Curso de Ciências Contábeis da Universidade Estácio.

2 Um dos fundamentos do pensamento Contratualista, onde o particular cede ao estado seu Direito de auto-defesa, por exemplo, em troca da defesa coletiva proporcionada pelo Estado.

3 Cálculo do autor: [(93.139.037-70.070.457)/70.070.457]*100

4 Cálculo do Autor: PIB1960 X (1,094*1,086*1,066*1,006*1,034*1,024*1,067*1,042*1,098*1,095*1,104) = 1,99(incremento)

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001-TCC- O Momento Decisivo_versao_final